Cicloturismo - O que Levar
Revista Bicicleta por Antônio Olinto
Foto: Antônio Olinto
Por
mais tranquila que uma viagem de bicicleta possa nos parecer, sua
concretização depende de nossas próprias capacidades. Desta forma, por
si só a viagem toma um caráter de aventura, este é um dos motivos desta
atividade ser tão prazerosa.
Em uma aventura o planejamento é algo importante. Neste planejamento
muitos acreditam que para estarem preparados devem carregar tudo o que
pode ser necessário durante a aventura. Esta tática me parece correta em
uma viagem de barco, mas na bicicleta creio ser equivocada. No mar não
temos como conseguir o que vier a faltar, por outro lado, cem quilos a
mais ou a menos em um veleiro não fará muita diferença.
Ao contrário, na bicicleta, a cada peso retirado já percebemos ganho
de rendimento. A melhor técnica para bicicleta é levar o mínimo
possível, tentando comprar as coisas que se oferecem no caminho ou
adaptar o que temos para suprir alguma eventual necessidade.
Mas o que é o mínimo? Bem, aí depende muito para onde vai viajar.
Cada destino ou caminho impõem necessidades próprias. Muito calor,
muito frio, muita chuva, desertos áridos, regiões populosas com
facilidades pelo caminho, ou então, como acontece em uma grande viagem:
tudo isto junto e mais um pouco.
Outro fator igualmente importante é a força física, a necessidade de
conforto e a capacidade de adaptação do cicloturista, tudo isto faz
variar as necessidades e a possibilidade de satisfazer os caprichos
pessoais.
Pretendo começar agora uma série de matérias dedicadas a comentar
cada equipamento a ser levado em uma viagem de bicicleta. Percebo que já
existe extenso material falando de cada peça da bicicleta, mas pouco se
fala sobre as tantas outras coisas que levamos em uma viagem, mesmo sem
precisar. A rigor, qual a diferença de peso entre o pedivela de um
grupo e de outro? Uma centena de gramas? Com diferença de valor que pode
chegar a milhares de reais seria melhor trocar aquela velha calça jeans
por uma calça de tactel e teríamos a mesma redução de peso total na
bicicleta.
“Mas Olinto, eu não me sinto confortável com estes tecidos modernos,
não consigo me adaptar a eles.” Aí vem o fator humano que muda tudo,
cada um tem que encontrar seu equilíbrio para viajar confortavelmente,
só não pode querer carregar e ao mesmo tempo não sentir os efeitos da
carga, isto seria irreal.
Acredito que o que levamos na viagem é algo pessoal e cada um deve
desenvolver seus próprios parâmetros, não quero ser o dono da verdade só
por ter alguma experiência de viagem. Gostaria de começar a comentar
uma lista básica do que levar em uma viagem de bicicleta para aqueles
que pretendem viajar por um dos tantos circuitos brasileiros que, a
rigor, sempre oferecem acomodações.
Neste caso, excetuando-se as ferramentas e peças de reposição, um
cicloturista poderia ter como ideal os mesmos 7 quilos de peso
carregados pelos peregrinos de Santiago, o que vier a mais é luxo:
2 uniformes completos para pedalar;
1 camiseta de algodão para dormir;
1 calça que vira shorts de tactel (ou outro nome comercial como suplex ou jacytel) para vestir após a pedalada;
1 kit de higiene com papel higiênico;
1 kit primeiros socorros;
1 toalha pequena;
1 chinelo ou sandália;
1 canivete (para lanches no caminho);
1 equipamento de chuva conforme a preferência;
1 casaco para quem viaja no inverno. Para o verão um fleece leve (também conhecido como polar, soft ou pile) é suficiente;
1 filtro solar;
1 óculos escuros;
1 lanterna de cabeça, pode servir para pedalar;
1 jogo de ferramentas e kit de peças de reposição.
Roupas para pedalar – sistema básico para viagem
Muitos cicloturistas derivam do mountain bike e assim sendo trazem
tradições desta modalidade que nem sempre são ideais para o
cicloturismo.
Quando falo “dois uniformes” me refiro à roupa de pedalar, ao invés
de carregar uma para cada dia de viagem, o ideal é ter como rotina
lavar, você mesmo, sua roupa todos os dias, assim só irá precisar de
dois uniformes, um que está utilizando e o outro que está secando,
mantendo uma terceira muda de roupa para caminhar um pouco a noite pela
cidade, dormir e/ou como coringa num dia que não deu para lavar ou secar
o uniforme de pedalar.
Um uniforme tradicional de ciclista tem as vantagens de ser
aerodinâmico, facilitar movimentos, evitar pelos encravados, secar
rápido e ter uma almofada. Entretanto, alguns tecidos sintéticos podem
se tornar incômodos se utilizados diuturnamente. Mesmo quem é acostumado
a fazer trilha todos os finais de semana pode se sentir incomodado após
uma semana de viagem utilizando somente uniformes de ciclista.
Após uma semana de viagem as pernas estão cada vez mais fortes, mas a
virilha fica cada vez mais sensibilizada, por isto é importante, logo
que parar de pedalar, tomar banho e deixar esta área bem arejada.
Acredito que a almofada seja a parte mais polêmica do uniforme
tradicional de ciclista. Junto com suas propriedades amaciantes vem o
constrangimento da ventilação, o que aumenta o calor e a umidade.
Durante um final de semana não percebemos problemas, mas em uma viagem
longa o calor e a umidade amolecem a pele, que se fere com facilidade.
No momento que está lavando o calção perceberá que a almofada sempre
fica impregnada com o suor, o óleo e os sais corporais e nem sempre seca
de um dia para o outro.
Estes fatores fizeram com que, na volta ao mundo de bicicleta, eu
fosse obrigado a retirar as almofadas dos meus calções. Atualmente
utilizo calções de tactel e por baixo cuecas shorts de modelos variados
para mudar o ponto de abrasão, mas todos os modelos não têm costuras no
cós. Esta combinação aliada a um selim de gel, facilita a higienização
das roupas e permite que a virilha receba ar todas as vezes em que saio
do selim da bicicleta.
É bom lembrar que se em uma viagem machucarmos a virilha, podemos
comprometer a realização da viagem, pois é uma região de difícil
recuperação.
Estranhamente é pouco comum encontrar camisas de ciclista com zíper
inteiro, então, acabei utilizando camisas de manga comprida também de
tactel com botões. Desta forma não preciso utilizar protetor solar nos
braços e controlo melhor a temperatura, pois posso pedalar com a camisa
aberta proporcionando grande ventilação.
Por último, acredito que a simples análise crítica de nosso
equipamento pode demonstrar equívocos e até mesmo oferecer grandes
lições. Quando comecei a volta ao mundo tinha 70 kg de peso total da
bicicleta. Devo ser honesto em dizer que em minha inocência de primeira
viagem, de certa forma, achava o máximo carregar muitas coisas, parecia
que quanto mais carga maior seria a aventura. Como não sou muito forte e
tinha que carregar com meu próprio esforço tudo o que precisava, os
primeiros 1.000 km de viagem me ensinaram que precisava de muito pouco
para viver. Fui eliminando tudo que me parecia pouco útil e desta forma
fui ficando mais leve, pude chegar com maior facilidade cada vez mais
longe. Quando cheguei ao Brasil o peso total da bike era 50 kg.
O aprendizado não foi tão suave assim, quando enfrentei o inverno
europeu o peso total da bicicleta foi o maior de toda a viagem. Mas esta
história fica para a próxima.